Antes de mais nada, a resposta à pergunta: Sim, é possível colocar um computador a escrever textos mas substituir um jornalista é outra conversa! Estamos a viver momentos de verdadeira explosão tecnológica. A cada dia surgem novas ideias, aparelhos, sistemas e com tudo isto o grande papão: a ascensão das máquinas. Mas, quando paramos para pensar um pouco, esta “guerra” das máquinas com os humanos é antiga. Basta recordar alguns dos filmes do início da década de 80, finais de 70 [como o Westworld (1973), por exemplo]. No entanto, o Exterminador Implacável será, talvez, o mais recordado pela maioria e aquele que nitidamente aborda a “ameaça” das máquinas à existência humana.
Neste filme, o ciborgue, interpretado por Arnold Schwarzenegger, viaja no tempo, de 2029 até ao dia 12 de maio de 1984, com o objetivo de alterar a História e, consequentemente, o futuro. O dia, para mim, tem um significado especial pois foi nesta data, 14 anos antes, que cheguei ao mundo.
Muitos sabem que as máquinas tendem em substituir os humanos em tarefas manuais, em processos fabris, mas que estas jamais podem substituir outras funções como a de jornalista, ou escritor. A verdade é bem diferente e há já algum tempo que a tecnologia permite textos escritos por um computador.
Convém lembrar, uma grande parte das notícias publicadas atualmente oriundas, por exemplo, de uma agência de notícias, podem ser trabalhadas por software.
São conhecidas as experiências levadas a cabo por agências noticiosas nos Estados Unidos, como a Bloomberg ou a Associated Press. Mas, mesmo em Portugal, já houve experiências do género, que nunca chegaram a ser colocadas em prática.
No entanto, o tema ganhou agora maior relevo porque o jornal chinês Southern Metropolis Daily revelou que havia publicado a primeira notícia escrita por um robô (um computador). A notícia em questão tinha cerca de 300 palavras, em caracteres chineses, e é possível graças à programação que permite ao computador interpretar números e gerar texto a partir daí, com base em frases pré-programadas.
Como funciona?
Atualmente, é praticamente impossível um computador ter uma conversa com uma fonte, por exemplo, ou mesmo interpretar com 100% de certeza todas as palavras. Basta perceber que os atuais softwares no mercado, denominados assistentes pessoais inteligentes (como o Siri ou o Cortana), ainda deixam muito a desejar no que diz respeito à interpretação das “ordens e comandos” dados pelos utilizadores.
Mas o desenvolvimento não pára e cada dia que passa estão mais afinados.
Por isso, para já, mesmo aqueles que têm colocado em prática estas experiências, encaram este tema como uma ameaça de baixo risco para a profissão de jornalista. No entanto, convém lembrar, uma grande parte das notícias publicadas atualmente oriundas, por exemplo, de uma agência de notícias, podem ser trabalhadas por software.
Se as redações já possuem um número reduzido de jornalistas, havendo a possibilidade de ter um computador a despejar artigos rápidos num site, sem ter de pagar salários, pode ser uma tentação para os patrões dos jornais, a médio prazo.
O futuro, que está mais próximo do que se possa pensar, será bem diferente. A evolução tecnológica continua a dar passos gigantescos e a cada dia, tendo em conta os comportamentos de consumo e leitura (cada vez menos exigentes), será difícil impedir que os computadores passem a escrever notícias (sozinhos).
Atualmente há diversos sites que não fazem mais do que “picar” as notícias dadas por outros jornais que assumem o custo de produção enquanto estes sites registam apenas lucro.
As experiências, entretanto, continuam e estão a ser trabalhadas por empresas de tecnologia com a colaboração de alguns dos principais títulos do jornalismo, a nível mundial.
A manipulação
Isto pode fazer sentido para quem pensa no lucro, mas as implicações sobre a classe jornalística serão, talvez, o menor dos problemas. Uma máquina será mais facilmente manipulada do que um humano que respeite a ética e defenda a democracia.
Afinal, recorrendo a este esquema de análise de software, será possível, por exemplo, através da análise de notícias de diversos jornais sobre o mesmo tema, um computador redigir textos com base na informação de terceiros.
Vou arriscar dizer que será possível criar um site de notícias sem ter de contratar um único jornalista. Atualmente há diversos sites que não fazem mais do que “picar” as notícias dadas por outros jornais que assumem o custo de produção enquanto estes sites registam apenas lucro. Colocar um computador a fazer este trabalho, é o mal menor da equação. Pelo menos enquanto houver jornalistas a sério a produzir conteúdos para que outros copiem.
Por isso, compete também a quem lê, a quem patrocina conteúdos e notícias, exigir a qualidade da escrita jornalística, premiando a originalidade. Os responsáveis pelos departamentos de marketing têm um papel preponderante nesta matéria pois são eles a decidir onde querem investir os milhões que têm no orçamento.
Até agora, nos últimos anos, como se tem visto, uma grande fatia destes investimentos tem sido desviada para redes sociais e blogs da moda. A qualidade, abaixo dos mínimos razoáveis, na maior parte das vezes, pode até ser comentada e colocada em causa mas nos relatórios apresentados aos CEO das empresas, o que brilha são os números: pageviews, alcance, visitas.
Já se começa a planear com vista ao tempo de permanência nas páginas (que pode significar que o leitor ficou realmente a ler o conteúdo) e à percentagem das taxas de saída logo após a primeira página vista (o bounce rate, que serve para medir o interesse dos leitores pelo conteúdo).
No entanto, a qualidade, ainda não tem uma métrica! Nesta matéria, terá de haver uma exigência maior dos leitores. Em simultâneo, vale a pena lembrar, produzir conteúdo tem um custo. E é preciso que os leitores percebam que o paradigma da gratuitidade tem de mudar.
Pagar para ler conteúdo de qualidade, contribuir para um jornalismo isento e independente de qualquer poder, é quase uma responsabilidade democrática numa altura em que a Liberdade e garantias estão a ser postas em causa no chamado “mundo livre”.
Premonição de Orwell?
Aquilo que está a suceder em relação a Donald Trump, a informação, contra-informação, propaganda política em direto nas televisões sem direito a perguntas dos jornalistas, é um exemplo daquilo que se está a deixar para as gerações futuras.
Num regime ditatorial, é muito simples acabar com a imprensa livre, com acesso à informação (basta olhar para o que se passa na Venezuela, China, Coreia do Norte ou Cuba). Principalmente porque a profissão vive momentos difíceis e está vulnerável, com a credibilidade abalada.
O desespero do jornalismo é visível na guerra aberta com Donald Trump. O Presidente dos Estados Unidos lançou o isco e os media morderam o anzol. É preciso recuar e curar as feridas porque, depois de instalado um poder totalitário, será muito difícil acabar com ele.
O medo apodera-se de todos, mais depressa do que se gasta um rastilho. Donald Trump já começou as ameaças e avisos à navegação, com o despedimento da procuradora que o enfrentou numa das suas medidas.
Colocar uma máquina a escrever apenas “factos alternativos”, é muito simples. Por isso, a intervenção humana tem de acontecer antes que o regime totalitário se instale.
Hoje Sally Yates é despedida, daqui a uns anos (meses?) pode ser acusada de traição e consequentemente condenada à morte. Ou, “simplesmente”, sofrer um acidente…
Apesar desta demissão ser “legal” e de Yates saber que estava a falhar ao nível da “lealdade” para com Donald Trump, coloca-se a nu um sistema que foge à definição de Democracia. Já para não falar dos receios dos norte-americanos em ter uma maioria de juízes Republicanos no Supremo Tribunal. Algo que não sucedia há muitos anos.
A data de 1984 ganha ainda outro significado com a redescoberta do livro de George Orwell onde o título é, precisamente, 1984. Publicado em 1949, retrata o quotidiano de um regime político totalitário e repressivo.
No livro, Orwell mostra como uma sociedade oligárquica é capaz de reprimir qualquer um que se opuser a ela.
O filme, lançado em 1985, com base neste livro, conta a história de um homem que perde a sua identidade neste regime de repressão. Winston Smith (John Hurt, que faleceu aos 77 anos, na semana da tomada de posse de Donald Trump) é um funcionário público cuja função é reescrever a história de forma a colocar os líderes desse regime como heróis.
Algo que se pode comparar aos “factos alternativos” apontados pela administração de Donald Trump.
As escapadelas românticas com Julia (Suzanna Hamilton) proporcionam a única fonte de distração de Smith, mas os políticos desaprovam o relacionamento. Numa sociedade constantemente vigiada e controlada, não há como escapar ao “Grande Irmão”.
Foi, aliás, deste livro que o termo “Big Brother” saiu. Tal como novilíngua. Termo criado por Orwell para descrever uma linguagem que, para condicionar ou restringir o pensamento, utiliza as palavras em seu favor, chegando ao ponto de subverter ou inverter os seus sentidos e significados. Neste livro, “guerra é paz, escravidão é liberdade, ignorância é força”.
Se este dia chegar, os humanos precisam de se unir, porque, provavelmente, Trump não vai escolher um humano para fazer “o frete”. Afinal colocar uma máquina a escrever apenas “factos alternativos”, é muito simples. Por isso, a intervenção humana tem de acontecer antes que o regime totalitário se instale.
Manter uma imprensa independente, isenta, factual, escrita por jornalistas, com a paixão humana, é crucial para a democracia.