A questão da greve dos motoristas de matérias perigosas está a ganhar contornos que, estivesse em vigor um Governo de Direita, seria denominado de processo fascista. Mas, entre a ausência de uma oposição credível e com ideias, e os “pezinhos de lã” dos partidos à esquerda que sustentam o Governo, lá se vão atropelando os direitos e de uma Democracia com medidas que já ultrapassam as tomadas por regimes totalitários.

Antes de mais, convém perceber que uma greve, é uma greve, e todos têm direito a fazê-la. Todo e qualquer cidadão que, toldado por uma cegueira ideológica, defenda o contrário, como está a suceder, só pode ser alguém que deseja ver imposto um regime ao estilo do que se verifica nos países onde as ditaduras se mascaram de regimes democráticos populares.

Nestas coisas da Democracia, que fique claro, não pode haver fanatismos por esquerdas e direitas. O que conta é o bem do país, de uma economia saudável, com capacidade para criar empregos, com salários dignos, deixando ao Estado a responsabilidade de assegurar serviços básicos como a saúde, educação ou segurança social. É para isso que devem servir os impostos e não para embrulhar esquemas em pacotes bonitos, com símbolos, que deixam calada toda a franja contestatária. Que, é bom realçar, num outro contexto, já teria paralisado o país com manifestações de repúdio perante os atropelos aos direitos democráticos.

Vale a pena recordar a requisição civil levada a cabo, em dezembro de 2014, pelo então Primeiro Ministro, Pedro Passos Coelho. Tal como António Costa faz agora, também Passos Coelho defendia o interesse público. As críticas são conhecidas mas bem mais acesas do que estão agora perante circunstâncias idênticas. O mal e o perigo para a democracia de 2014 é o mesmo de 2019.

Alguém já se lembrou de avisar as pessoas que vão para o Algarve com jerricans dentro do carro, dos perigos que podem suceder ao ter esse material inflamável exposto a temperaturas elevadas?

Não está em causa as razões dos camionistas, tal como não se coloca em causa as razões dos médicos, dos enfermeiros, dos professores ou de qualquer outro profissional. O que fica em causa e visível no meio de todo este embroglio, é a forma como o esquema sindicalista está montado e que apenas serve para fazer ruído, alicerçado em estratégias políticas.

O Governo está, de forma inteligente, como tem feito durante toda esta legislatura, a colocar ao seu serviço todas as armas que possui, ameaçando até com o decretar de um alerta de emergência energético (algo que já foi feito em abril). Para isso, claro, pegou na porta aberta deixada pelos motoristas: “por tempo indeterminado”.

Mas, para que serve uma greve se não for para criar incómodos a quem deles depende? Quando há uma greve de transportes públicos, quem mais sofre são os mais pobres, e os que obrigatoriamente recorrem a esta forma para se dirigirem para o trabalho. E, aí, tudo aparenta estar bem. Decretam-se os serviços mínimos, alternativos, etc. e a vida continua.

Mas, quem comprou o passe no início do mês pagou e não usufrui, nem nunca terá o seu dinheiro restituído. Todos acham isto bem e os partidos políticos aparecem nas imagens a “dar o seu apoio” aos protestos dos trabalhadores. Pouca preocupação sobre os passageiros que ficam sem transporte, muitos com ordenado descontado ao final do mês por atraso ou falta ao trabalho.

Agora, perante o receio de faltar combustível para os automóveis, o país parece entrar numa loucura criada por afirmações alucinogénicas. É preciso lembrar que o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, aconselhou os cidadãos a abastecerem as viaturas antes da greve. Quando um ministro faz uma declaração destas, tem a obrigação de saber quais serão as consequências. E elas estão à vista: um aumento do consumo dos combustíveis em 30% e o açambarcamento em jerricans, criando situações potencialmente perigosas para os cidadãos. Alguém já se lembrou de avisar as pessoas que vão para o Algarve com jerricans dentro do carro, dos perigos que podem suceder ao ter esse material inflamável exposto a temperaturas elevadas?

Estas declarações, que continuam a ser amplificadas como “as medidas a tomar” contribuem para o açambarcamento de bens, deixando os menos precavidos, ou aqueles que não têm dinheiro para gastar de uma vez só, sem bens de primeira necessidade em caso de rotura. Porque, como se pode ouvir nas entrevistas feitas pelas televisões aos cidadãos nos postos de combustível, há até os que não usam o carro mas perante o que ouviram, foram atestar e armazenar. Na maior parte das vezes de forma irresponsável, por desconhecimento dos perigos, em garagens e arrecadações.

Greve com serviços mínimos a 100%

Ora, não está em causa a garantia por parte do Governo de combustível para assegurar serviços de emergência, proteção civil, bombeiros, transporte de mercadorias alimentares, medicamentos ou outras áreas que lidem com bens ou serviços de primeira necessidade. Qualquer cidadão deve exigir a um Governo que lhe dê estas garantias.

Mas, recorrer à GNR (recorde-se uma força militarizada sob a alçada do Governo), contra a vontade dos próprios profissionais da Guarda Nacional Republicana, colocar serviços mínimos em níveis próximos dos 100%, enquadra-se noutro contexto ideológico.

Isto levanta a ponta do véu para a utilização das mesmas forças para outros fins, como a repressão popular ou até a repressão da oposição. A porta está aberta.

Isto tem um nome e não é por estar salvaguardada por um determinado sector político que pode ser defendida por um cidadão ou um sindicato que preza o direito à Liberdade e Democracia. Da esquerda à direita, todos os partidos e seus políticos deveriam estar preocupados com os cidadãos mas, acima de tudo, com a defesa da Democracia.

Como estamos com eleições à porta, o PCP, por exemplo, emitiu a sua opinião dando ênfase ao seguinte: “2- É neste contexto [violação por parte das entidades patronais dos termos da negociação do Contrato Coletivo de Trabalho] que é convocada uma greve por tempo indeterminado e com uma argumentação que, instrumentalizando reais problemas e descontentamento dos motoristas, é impulsionada por exercícios de protagonismo e por obscuros objectivos políticos e procura atingir mais a população que o patronato. Uma acção cujos promotores se dispõem para que seja instrumentalizada para a limitação do direito à greve”.

De realçar que quando existe uma greve do Metro de Lisboa, por exemplo, beneficia mais o patronato do que os cidadãos. Estes últimos pagaram os passes e não usufruem enquanto a empresa, além dos milhares de euros que poupa nos dias descontados aos salários, ainda poupa em energia. Imaginam quanto custa a eletricidade de um dia inteiro de Metropolitano? Resumindo, quem perde foi quem pagou os bilhetes antecipadamente, ou os passes e nunca vai ver o seu dinheiro restituído.

Ou seja, o discurso do PCP começa por defender a greve e aceitar como válidas as suas razões para, logo de seguida, falar em “obscuros objectivos políticos”. Ora, como se sabe, todos os sindicatos têm os seus objetivos políticos. Mas o Partido Comunista Português desenvolve o seu raciocínio para reafirmar mais à frente “a defesa do efectivo exercício do direito à greve.”

Tendo em conta o estado atual das coisas, será bom reforçar que uma greve tem tanta mais força quanto mais impacto tiver a paragem dos trabalhadores. Só para que fique claro para todos, concorde-se ou não.

A questão principal é que se pode até discordar das exigências dos motoristas (podem até fazer-se circular recibos de vencimentos alegadamente falsos, já que os valores são errados), tal como se pode discordar das razões dos trabalhadores da CP ou do Metro de Lisboa, ou das transportadoras aéreas (a Liberdade também trouxe isso, o direito à opinião), até se pode discordar do líder do Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) e do Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM), mas jamais se pode defender que um Governo vista o casaco do quero, posso e mando atropelar a Democracia.