Quem tem seguido o que escrevo no blogue Novos Media, sabe que defendo a existência do content marketing como uma das soluções para os media cativarem investimento publicitário, essencialmente no digital. Porque, como é amplamente conhecido, há já muitos anos que no papel existem os dossiers especiais sobre temas variados, patrocinados por marcas. Não fazer confusão com “news marketing”.

E esta é “a” diferença entre notícia e conteúdo: uma notícia jamais deve responder a um patrocinador. No entanto, lembro o seguinte, se ninguém paga para ler jornais, sites de notícias, e se estes sobrevivem da publicidade, todas as notícias acabam por estar patrocinadas, indiretamente, pela publicidade existente junto a essas notícias.

Quem chegou até aqui pode até pensar que tudo isto retira a credibilidade ao jornalista, ao próprio órgão de comunicação social. Mas, acompanhem até ao fim, de mente aberta.

Vale sempre a pena reforçar que o termo conteúdo patrocinado não precisa de ser pejorativo porque, lá está, há conteúdo e há notícias. Acima disto tudo, deveria haver o nome e credibilidade do órgão de comunicação social, do jornalista, o respeito pela deontologia e regras do jornalismo.

Não há e cada vez mais, com o caos, o que se coloca em causa é o passado. As pessoas questionam que se é assim com a internet, o que seria antigamente.

Enquanto houver esta confusão de termos, a mistura de todas as coisas na internet, onde se confunde um post no Facebook, uma informação dada por qualquer “pessoa” (entre aspas porque na internet há muitos “Josés” a colaborar nesta campanha de desinformação) o jornalismo irá continuar em queda e as marcas, os patrocinadores, pagam mais a um qualquer bloguer para escrever uma peça sem qualidade, desde que o blogue apresente uns números interessantes (não interessa como angariam o tráfego), do que pagam a um jornal com 100 anos de história no jornalismo.

Vamos esquecer a separação das coisas por um breve momento. Um jornalista, um profissional da comunicação, sabe que a melhor forma de chegar aos leitores é através de uma história envolvente, bem contada. Por isso, e de forma muito básica, uma notícia, por regra, respeita o formato da pirâmide invertida. O mais relevante em primeiro, a notícia tem de estar à cabeça do texto.

Um jornalista jamais deve escrever qualquer peça de conteúdo falsa, levando a crer, hipoteticamente, que barrar o corpo com manteiga ou óleo vegetal serve para proteger dos raios nocivos do sol.

Há ainda as reportagens, que podem e devem incluir um cunho de testemunho vivido pelo jornalista (sempre respeitando a deontologia, a verdade dos factos), as crónicas. Mas, mais uma vez, quando um repórter está a escrever para a audiência, é crucial que o seu nome seja o farol que guia a credibilidade.

De outra forma, tomando por bom tudo o que aparece na internet, ou nos jornais, estamos a pactuar com esta mistura que nos leva a casos como o recente debate sobre a foto com o número de pessoas que supostamente assistiram á tomada de posse de Donald Trump. Ou a foto de Obama a colocar a sua mão no traseiro de Melania Trump, a nova Primeira Dama dos Estados Unidos da América.


Neste caso, nem a imagem vale por mil palavras. Há informação, contra-informação, oriunda das mais diversas “fontes”. Há quem tenha decidido designar toda esta trapalhada como “pós-verdade”.

É quase impossível perceber quem tem razão quando se entra neste tipo de campanha. Principalmente quando, muitas vezes, na correria do clique, os próprios órgãos de comunicação social publicam como verdades, sem questionar, sem analisar, mentiras que são imperdoáveis em jornalismo.

Saber escrever, contar uma história, seja na imprensa escrita, internet, rádio ou televisão (cada um dos meios com as suas especificidades) é aquilo que distingue uma boa peça de um post de blogue que, como já escrevi diversas vezes, regra geral, é uma espécie de diário digital onde os autores podem publicar qualquer coisa. Um desabafo ao estilo, “querido diário, hoje cruzei-me novamente com aqueles olhos castanhos. Mesmo estando um dia de outono, encoberto, o cabelo moreno parecia brilhar…”

Claro, mesmo aqui, aplica-se o conceito do contador de histórias, o tal Storytelling tão badalado no mundo do marketing e dos conteúdos. Mas, não se trata apenas de contar uma história, é preciso saber contá-la, saber como chegar aos leitores, como os envolver e os colocar como heróis da história que lêem.

Porque, afinal, contar uma história todos conseguem. Contá-la de forma a cativar e envolver quem a lê ou ouve, já é outra conversa.

Um jornal ou um jornalista, que se dedica a escrever sobre tecnologia, automóveis, empresas, é menos jornalista do que aquele que escreve sobre política, economia, sociedade?

Depois, e quando se trata de um OCS, todo o conteúdo tem de ser responsável. Quem lê, tem de ter a confiança necessária que não está a ser levado por um qualquer texto puramente publicitário que se aproveita da credibilidade do meio e do jornalista. As histórias escritas pelos jornalistas sérios devem ser inquestionáveis, assentes no pilar da verdade factual. Este é, e tem de ser cimentado, o pilar do jornalismo.

Por isso, acredito que tal como já sucedeu noutras áreas, com o tempo, e passado todo este “entusiasmo” dos números, dos milhões de páginas vistas, apresentados por alguns blogues, as marcas vão centrar as atenções na qualidade, na credibilidade, no nível de envolvimento que as histórias têm com o público que as lê e no retorno real do investimento feito.

Ser jornalista é uma profissão e ter um órgão de comunicação um negócio que precisa de obter receitas que permitem pagar a quem escreve.

A relação dos jornais com conteúdo

Do lado dos jornais, é preciso saber assumir este espaço. Saber traçar bem aquilo que é conteúdo patrocinado, content marketing, feito de forma profissional e responsável, do conteúdo noticioso. Saber dar aos leitores as histórias da melhor forma possível. Usar a credibilidade dos jornais e jornalistas para a produção de conteúdo de qualidade, sem cair na tentação do facilitismo da tradicional publirreportagem (outro estilo, outras regras).

Para os extremistas, que estão prontos para me amarrar a uma fogueira, deixo apenas um ou dois exemplos. Um jornal ou um jornalista, que se dedica a escrever sobre tecnologia, automóveis, empresas, é menos jornalista do que aquele que escreve sobre política, economia, sociedade?

A resposta é não. Claro, há quem se limite a copiar comunicados de imprensa (errado) e os que fazem análises a produtos, expondo pontos positivos e negativos de um smartphone, pegando no exemplo das tecnologias. Mas também se faz isto em áreas como a política ou economia.

Agora, coloca-se a grande e velha questão: se alguém paga para se escrever sobre o tema, estamos a pisar a deontologia? Respondo com outra pergunta: e se o jornalista costuma escrever sobre um determinado tema e a marca sobre a qual ele escreve quiser patrocinar, com publicidade junto aos artigos desse jornalista? O OCS deve recusar a publicidade?

Como é óbvio, responder a isto poderia levar a toda uma discussão filosófica que iria acabar na única conclusão possível: os jornais, os OCS, não podem, simplesmente, exibir publicidade.

A linha que separa estas definições é tão fina que pode parecer não existir. Na verdade, é como um traço contínuo numa estrada, por mais esbatido que seja, não pode ser ultrapassado. A linha existe e assenta numa única premissa: a credibilidade e isenção do jornalista e do OCS.

Como as coisas funcionam melhor com exemplos, aqui fica um: uma marca de produtos de proteção solar pode, por exemplo, patrocinar conteúdos sobre os perigos do sol, a necessidade de utilização de protetores solares, como devemos agir para nos protegermos, adultos e crianças do cancro de pele. Sem, no entanto, ser referida uma única vez a marca ao longo do conteúdo.

A marca poderá surgir nos espaços próprios, destinados à publicidade. Sim, para clareza, pode e deve haver a informação extra de que o conteúdo que está a ser lido foi patrocinado pela marca.

Agora, imaginem que todo este conteúdo, como se sabe que as pessoas estão mais atentas ao tema na altura do verão, é feito por decisão do jornal, do jornalista. É o facto de ninguém pagar pelo conteúdo que ele vai ter mais valor para o público? E será que o jornalista ou o jornal não teve a ideia através de algum tipo de sugestão subliminar de determinada marca?

A discussão pode levantar outros temas, cada um terá um contributo importante a dar para se encontrar o caminho que permita aos media conviver com esta relação comercial. Porque sem ela, como todos sabem (mesmo os que fazem de conta que não), vai faltar dinheiro para salários.

Como é óbvio, vale a pena reforçar a questão da deontologia. Um jornalista jamais deve escrever qualquer peça de conteúdo falsa, levando a crer, hipoteticamente, que barrar o corpo com manteiga ou óleo vegetal serve para proteger dos raios nocivos do sol. Devem antes sustentar a informação com dados de especialistas, médicos, por exemplo. Dá para perceber a ideia?

Outro exemplo. Voltamos ao verão, (porque o frio de janeiro está a fazer estragos), altura em que todas as televisões ocupam horas a fio com imagens de incêndios. Num período que, infelizmente, se titula como “época dos incêndios”.

Será útil um jornal, um jornalista, escrever e publicar conteúdo sobre formas de prevenção dos incêndios? Agora, vamos imaginar que existe um determinado produto, uma marca que desenvolveu uma tecnologia, que pode acabar com este flagelo.

Para a marca, que comercializa o produto, será relevante esta divulgação. Para o público, ter um jornalista a fornecer esta informação é quase serviço público. E se a marca quiser pagar, que se fale do tema, sensibilizando o público e, ao mesmo tempo, financiando conteúdo de qualidade. Será crime e uma quebra do Código Deontológico? 

No caso do Faktual, será sempre uma quebra quando estiver em causa a isenção, a liberdade do trabalho jornalístico, a influência de qualquer tipo de poder na produção do próprio conteúdo, levando a que um jornalista escreva algo que não corresponde a uma verdade factual, nem que seja por omissão. Quebrar essa regra, o Código Deontológico, não tem preço.