Os jornais e jornalistas são uma farsa. Só contam mentiras e contribuem para a proliferação da “pós-verdade” e “factos alternativos”. A realidade exponenciada pelo algoritmo.
Este é o resumo daquilo que, como jornalista, como cidadão, leio todos os dias nas redes sociais, nos comentários. Aliás, nos últimos meses os próprios jornais têm abordado o tema. O ataque aos jornais e jornalistas agudizou-se após a tomada de posse de Donald Trump, com o Presidente dos Estados Unidos da América a liderar uma frente de combate poderosa contra os media.
Do lado dos jornais, entre sites duvidosos que publicam notícias falsas e os de referência que acabam por ir atrás deles, torna-se quase impossível perceber onde começa a verdade e acaba a mentira.
As chamadas “fake news” são o que a grande maioria das pessoas acabam por ler e assumem como verdade. Uma verdade que a maioria acredita ser a realidade sem saber que de facto, é algo imposto pelo “algoritmo”. Uma entidade sobre a qual, provavelmente, já todos ouviram falar mas não percebem bem do que se trata.
Muitos, nem sequer pensam que estes algoritmos foram escritos e desenhados por uma equipa de jovens técnicos “a bater código” nos escritórios do Facebook e Google (apenas para focar nos dois mais expressivos a nível mundial).
A pesquisa ou a timeline do Facebook substituem um órgão de comunicação social sério tal como os jornalistas estão a ser substituídos por criadores de conteúdos.
Um algoritmo que ganhou vida própria e que nem os seus criadores conseguem controlar e perceber por completo. No entanto, sabem como usar os dados recolhidos em proveito próprio nomeadamente para vender relatórios com perfis detalhados sobre os comportamentos dos utilizadores.
O algoritmo é, na verdade, o maior responsável pela disseminação da informação, verdadeira ou falsa. E, como aquilo que mais chama a atenção, como todos sabem, são os temas “virais”; e estes, quase sempre, assuntos que relatam falsidades (deixando de lado os acidentes, assassinatos e outras catástrofes que apelam à veia mirone dos humanos) são os que se propagam e que teimam em chegar ao leitor.
Aquilo que se sabe é que quanto mais pessoas vêem ou interagem com um determinado tipo de notícia, mais limitada fica a sua visão do mundo. Isto, porque a Internet é o mundo! Antigamente havia uma expressão que dizia mais ou menos isto: “se passou na televisão, é verdade”. Hoje, a televisão, tal como os jornais ou a rádio, foram substituídos pela Internet.
A pesquisa ou a timeline do Facebook substituem um órgão de comunicação social sério tal como os jornalistas estão a ser substituídos por criadores de conteúdos. Mas, como é óbvio, apesar de discordar, a culpa não é das plataformas como Facebook ou Google. Fazem apenas o seu caminho e são plataformas com bastante utilidade para os media, se forem usadas da forma correcta. Tal como os criadores, como os bloggers ou sites que assumem a chancela de órgãos de comunicação social (sem o serem, na verdade), publicam conteúdo, usando a liberdade que a democracia permite.
O erro está do lado de quem valoriza e paga para publicitar nesses sites e blogues com base na quantidade de tráfego (visitas ou pageviews). Do lado de quem lê e partilha conteúdo falso; do lado dos jornais, televisões, rádios e os seus jornalistas que copiam e ajudam a propagar informações falsas. Ninguém confirma, falta o tal “fact checking” que é um dos pilares do jornalismo.
Um vírus é algo mau, uma propagação viral, uma doença.
Porque, mesmo na opinião, uma mentira é uma mentira. A diferença é que se um jornalista escrever uma notícia com falsidades pode ser condenado em Tribunal. Já na opinião, nos escritos de Facebook ou blogues, tudo pode ser encarado com liberdade de expressão.
Como podem continuar a existir pessoas a publicar opinião com base em mentiras, a sair em defesa de causa própria ou de alguém próximo, atacando tudo e todos acenando com algumas verdades lá pelo meio Porque podem e porque os deixam!
Hoje em dia, os jornalistas, que passam tanto ou mais tempo do que os leitores nas redes sociais, vêem um título em qualquer lado, site ou blogue, e disparam caracteres nos seus meios, desgraçando aquilo que nesta profissão tem mais valor: o nome, a sua identidade enquanto pessoas e jornalistas.
Um dos exemplos mais paradigmáticos desta realidade está a passar-se atualmente (já sucedeu com outros no passado) com Marques Mendes. O homem fala e os jornais apressam-se a publicar artigos com aquilo que “Marques Mendes disse”.
Não confirmam, não questionam, não procuram a fonte original da informação, nem se interessam que seja verdade ou não. Aliás, assumem sempre que tudo é verdade porque é algo que se está a tornar viral.
Já o disse várias vezes, mas nunca é demais lembrar que, para mim, um vírus é algo mau, uma propagação viral, uma doença. E, tal como se tem visto, regra geral, o Facebook, principal responsável por esta disseminação de mentiras, comprova isso mesmo.
Depois, no meio de toda a desgraça, fazendo fé naquilo que o diretor do Público escreve em editorial (e não vejo razão para duvidar), quando um jornalista faz o seu trabalho a sério, é alvo de críticas. Pessoas com responsabilidades políticas levantam dúvidas, fáceis de criar mas muito difíceis de eliminar. No fundo, quando isto sucede, esquecemos que se trata de uma ofensa, de um ataque à credibilidade e bom nome de uma pessoa, de um profissional, de um órgão de comunicação social.
O som do clique
É possível ler, diariamente, “notícias” com títulos sonantes, que apelam ao clique. Atenção, o problema aqui não é o facto de haver títulos que chamem a atenção (o objetivo é esse mesmo). Mas, do ponto de vista jornalístico, um título deve sempre, no mínimo, corresponder à verdade.
Portanto, o problema não estará no título “clickbait”, como muitos fazem questão de enfatizar, criando uma espécie de cruzada contra os títulos, mas sim na veracidade e qualidade, ausência de populismo negativo, desse título.
Quando alguém descobre a receita para que um título se torne num isco que atrai milhões, a tendência é replicá-lo, porque o algoritmo está à procura dele!
A Internet está cheia de notícias com erros, inverdades, afirmações por confirmar, replicação de artigos que, passado o tempo, continuam a surgir nas pesquisas do Google, a ser favorecidos pelos algoritmos das redes sociais.
Quanto mais se clicar num artigo, quantos mais gostos, ou emoticons de fúria, riso, paixão, se coloca num post, trate-se de uma mentira ou verdade, mais ele vai aparecer. Além disso, pior do que isso, é o facto dos feeds tenderem a ser invadidos por mais artigos do género.
O Facebook acha que sabe do que gostamos e, como tal, basta uma interação com um post para nos passar a mostrar mais coisas iguais. Por isso, quando alguém descobre a receita para que um título se torne num isco que atrai milhões, a tendência é replicá-lo, porque o algoritmo está à procura dele!
Como funciona o algoritmo
Como já disse no início, o algoritmo são milhares de linhas de código e está longe de ser algo simples de explicar. Nem tenho o conhecimento técnico necessário para o fazer. No entanto, é assumido por todos que, de forma resumida, é assim que funciona:
Vamos imaginar por exemplo que um amigo coloca uma foto do nascimento do seu filho. Faço um gosto (ou qualquer outra ação permitida pelos ícones), um comentário. E, por outro lado, meto um bonequinho de fúria num post sobre um qualquer clube de futebol.
O Facebook, no alto da sua inteligência artificial, vai interpretar que eu adoro crianças e odeio o clube em causa. Portanto, vou passar a ver no meu feed, porque o Facebook acha que é isso que eu quero ver, posts sobre bebés, posts e anúncios de marcas interessadas em vender produtos para bebé e, por outro lado, vou deixar de ver os posts dos meus amigos sobre futebol.
Claro, partindo do princípio que Zuckerberg quer que eu seja feliz. Porque se ele quiser que eu passe o dia irritado, também pode decidir mostrar-me apenas posts de coisas que o algoritmo decide que eu não gosto.
Um exemplo mais relacionado com notícias: uma pessoa que, por norma, não lê notícias sobre futebol, prefere economia ou política, mas que um dia clica numa notícia sobre um clube e coloca um emoticon de fúria num artigo sobre economia, provavelmente, irá passar a ver mais posts com notícias sobre desporto do que economia ou política.
No dia em que os jornais a sério fecharem onde vão os cábulas encontrar informação para copiar?
Isto, além de ser errado, está a moldar a informação à qual tenho acesso. Uma atitude completamente ao lado daquilo que é um sistema democrático. Um dos factos paradigmáticos, que vai além dos bebés e do futebol, está relacionado com as eleições norte-americanas. A Wired publicou uma reportagem onde mostra como é muito simples montar um site com as tais “fake news” e ganhar dinheiro com isso.
A diferença entre um jornal e jornalista a sério e estes sites e blogues, tem de passar obrigatoriamente pela credibilidade que demonstram de forma consistente. E todos os jornais e jornalistas sabem disso. Então, podem perguntar, porque razão até as televisões vão atrás de notícias falsas e as apresentam como verdades? Porque vão ao encontro dos tais clickbaits?
Para começar, porque a grande maioria dos meios de comunicação social, principalmente ao nível da Internet (mas não só), estão a ser produzidos com uma pressão constante na rapidez, na conquista de pageviews. E isto é feito porque é a única forma de subsistência.
Os salários são baixos porque não há dinheiro (desviado para Google e Facebook, principalmente) e os leitores não pagam para ler. Por isso, a grande maioria das redações são compostas por estagiários, muitas vezes em cargos de edição ou direção.
No entanto, realço, não há desculpa para um mau trabalho. Quando se aposta numa profissão, do meu ponto de vista, é preciso fazê-lo com o máximo de profissionalismo e qualidade possível. Quem não consegue sobreviver seguindo essas regras, fecha as portas, certo?
Antes que todos acenem afirmativamente, deixem que vos recorde algo que tenho dito com alguma frequência nos artigos que publico sobre os media: No dia em que os jornais a sério fecharem, – e é isso que acaba por suceder quando fazem jornalismo credível, porque ninguém lê, não dá milhões de pageviews que permitem ombrear com projetos com mais tráfego, que apenas investem na cópia do trabalho alheio, – onde vão os cábulas encontrar informação para copiar?
Poderia colocar aqui alguns exemplos, mas creio que todos conseguem perceber a que projetos me refiro.
E, recordo, são os leitores que lhes dão esse tráfego, os colocam no topo da cadeia do algoritmo e, consequentemente, permitem que ganhem mais dinheiro do que os projetos de media mais sérios. Basta olhar para as estatísticas para perceber quais são os sites com mais cliques.
Tal como qualquer outro, estes sites têm todo o direito de existir, de apresentar o conteúdo que entendem. Lê quem quer e, de acordo com os números apresentados, muitos querem. No entanto, será que devem estes projetos estar enquadrados como órgãos de comunicação social? Porque, como já escrevi, há uma diferença entre conteúdo e notícia.
Há muitos anos que, principalmente para quem vive do meio, ou estuda comunicação social, se houve falar da expressão “infontainment” – um derivado da mistura de informação com entretenimento. Algo que surgiu em especial devido à televisão mas que, hoje em dia, domina em todos os meios.
Mistura-se humor, celebridades e informação. Procura-se a cada dia aquilo que “está a dar” e replica-se porque é clique garantido.
A luta contra o “algoritmo” é de todos porque, afinal, quem permitiu que esse código comande, ou limite a vida de cada um de nós?
Todos sabemos que o mundo é imperfeito e, por norma, quem mais critica são aqueles que pouco ou nada fazem para mudar as coisas. Afinal, como as coisas estão, é mais favorável às estratégias de loucura que se vivem ao nível da (des)informação.
Os truques
Neste mundo em que vivemos, onde se misturam pós verdades, factos alternativos com a realidade, numa época que permite que qualquer um produza textos e os divulgue na Internet, multiplicam-se os truques para disfarçar campanhas de contra-informação, de ataque social, político, mascarados de projetos “da comunidade”.
Tenho por regra que quando alguém se esconde atrás de uma ideologia, nunca mostrando a cara, seja em que área for, alguma coisa tem a perder, ou a ganhar. Que, acima de tudo, está a servir um qualquer interesse obscuro disfarçado de sentido crítico.
Tal como o exemplo da reportagem da Wired, existem dezenas, centenas de projetos, blogues, páginas de Facebook, manipuladas por políticos, agentes económicos, pessoas com interesses, em todos os quadrantes, a publicar e fazer campanha contra ou a favor de determinada fação.
Aliás, existem pessoas que publicam textos em defesa de causas próprias em jornais de referência em Portugal. Textos que mais nada são do que uma espécie de conversa de café.
Uma coisa é ter opinião, como cidadão, outra é usar esta “arma” para fazer ruído. Mesmo sendo jornalista, tenho o direito e dever de me envolver, sem deixar que isso afecte a minha credibilidade ou juízo factual. Ainda mais diferente, é alegar esse mesmo direito escondido no anonimato atrás de um computador. E, com esse à vontade, ofender, atacar, rebaixar pessoas e projetos. Sem medo de represálias.
No Facebook, é muito fácil, e relativamente barato, comprar uma rede de amigos que vai ajudar a propagar os posts publicados, a colocar essa página e os seus posts no topo da cadeia do algoritmo. Quanto mais amigos, mais os posts se propagam.
Quem consome está, na maior parte das vezes sem se aperceber, a fazer parte da estratégia de propagação dessa informação.
E esta não é a única forma do Facebook ganhar dinheiro.
Por cada clique que faz, por cada gosto, comentário, visita a uma página, o Facebook guarda tudo, traça o seu perfil e vende esses dados sem os utilizadores se aperceberem que o permitiram quando aceitaram os termos. Há quem diga que isso é ótimo, porque quando a Internet lhe mostra o que gosta, está a poupar tempo. Mas, estará mesmo?
Ou está simplesmente a ser limitado, afastado da oportunidade de descobrir coisas mais interessantes?
Por isso, a luta contra o “algoritmo” não é apenas dos media. Deve ser de todos porque, afinal, quem permitiu que esse código comande, ou limite a vida de cada um de nós?