Este texto de apresentação serve para explicar como nasce o conceito do Faktual. Um meio que pretende ser uma espécie de site colaborativo, isento, dedicado a análise de temas, com profundidade, escritos por jornalistas que ainda acreditam na profissão. Os textos serão classificados naquilo que se conhece como long-form journalism. Jornalismo de análise, investigação, criado para quem gosta de ler e ficar a par da realidade e não apenas encher a cabeça de chavões.

Para conseguir concretizar este projeto, é importante que os jornalistas se unam e contribuam. Que sejam, em parte, empreendedores, onde o único investimento necessário será a sua escrita. Escrever um bom texto, a apelar à paixão, dizer que tudo está mal, é fácil. É isso que temos visto ao longo dos últimos anos. Chegou o momento de agir, de assumir que é preciso usar as novas tecnologias para fazer conteúdo de qualidade, de mostrar que o poder do jornalismo ainda está na qualidade.

Neste primeiro editorial, pela forma como o projeto está a ser lançado, seria bom dar a conhecer a todos, aos que sabem e os que não sabem, qual o percurso do mentor da iniciativa, porque razão tem a ousadia de lançar um projeto com estas características. Tirando, como é óbvio, a crença que o futuro do papel existe mas em moldes muito diferentes dos atuais.

Para isso, é preciso quebrar uma regra e assumir a escrita deste texto na primeira pessoa. Há mais de 10 anos que abracei o mundo da Internet para desenvolver e publicar conteúdos jornalísticos. Em 2003, pouco havia na Internet e a resistência às novas tecnologias era ainda muito grande.

Tudo começou quando fui convidado pelo SAPO para ser o responsável pelo lançamento do site do Rock in Rio-Lisboa. Surgiu de forma inesperada mas a aposta no digital acabou por durar até aos dias de hoje. Na imprensa, o pouco que havia era ainda muito amador. O papel continuava a ser onde se fazia jornalismo “a sério” e a Internet um bicho assustador.

Posso dizer, com toda a certeza, que fui um dos primeiros jornalistas multimedia do mundo. E, podem perguntar, com que atrevimento faço esta afirmação. A resposta é relativamente simples: Em primeiro porque tive a responsabilidade de passar a outros jornalistas, dos diversos grupos de comunicação portugueses, incluíndo a agência Lusa, aquilo que andava a colocar em prática. O SAPO, promoveu diversas ações de formação, para potenciar a aposta das redações no digital, e eu fui uma das pessoas a mostrar o que se estava a fazer, como podiam os jornalistas apostar no digital.

Durante estas sessões, foi possível constatar a resistência de alguns, a curiosidade de outros, a dúvida de todos sobre o que seria o futuro do jornalismo. “Agora temos de filmar e tirar fotografias?” A quantidade de vezes que ouvi isto… Hoje, assisto a reportagens de televisão onde os jornalistas, além do microfone, estão em simultâneo a apontar o smartphone para fazer diretos para o Facebook.

Em segundo, por aquilo que vi no terreno. Desde 2008, que tive de fazer uma incursão no jornalismo desportivo. Fui responsável pelo lançamento do SAPO Desporto e assumo tudo o que tem de bom, e de mau, até à minha saída do projeto, no início de 2015. Desde o primeiro dia que recusei fazer do site um repositório de feeds automáticos e insisti para que os jornalistas, muitos deles na sua primeira experiência na profissão, apostassem forte na produção de vídeo.

O que conta é a relevância do conteúdo, a envolvência dos leitores com a história, a forma como está escrito, a verdade dos factos.

Eu próprio já o fazia, com destaque para os grandes eventos internacionais, como o Euro 2008 (o primeiro), o Mundial 2010 ou jogos da Liga dos Campeões. A experiência foi fisicamente dura, especialmente porque me deparei com a dificuldade em ser um jornalista multimedia.

Tinha de fazer fotos durante o jogo (no relvado), – e faço questão de dizer que fiz formação em fotografia para poder colocar em prática da melhor forma possível, e obtive boas avaliações – escrever crónicas de jogo (quando no início estava sozinho), ir para as conferências de imprensa e/ou Zona Mista para captar declarações em vídeo. No fundo, e isto pode até parecer estranho para uma grande parte das pessoas que atualmente compõem redações, tinha de sair da cadeira para recolher matéria prima.

E era nesta parte que a FIFA e UEFA ficavam espantadas perante as minhas necessidades. Afinal, um repórter fotográfico não tem acesso às salas de conferência de imprensa ou zonas mistas. Por isso, além dos circuitos serem completamente distintos, as acreditações tinham zonas específicas às quais podia aceder.

Depois de alguns jogos a praticar em Portugal, na Primeira Liga, e nos jogos da seleção, com a FPF a conceder-me duas acreditações (para mim e para o meu irmão gémeo) que me permitiam circular nos diversos circuitos, embarquei rumo ao Euro 2008, na Suíça/Áustria. Foi aqui que as coisas começaram a ficar mais complicadas. No final dos jogos tinha de fazer centenas de metros para poder guardar o material fotográfico, pesado e sensível, usado para captar fotos de jogo, para depois percorrer, pelo exterior do estádio, centenas de metros até à entrada permitida aos jornalistas da imprensa.

Depois, era um sorteio conseguir passar, ou não, com o tripé e a câmara pelo controlo de segurança do estádio. Dependia dos jogos. A tal ponto que, depois das minhas reclamações junto da UEFA, já em Portugal, me convidaram para uma reunião, num dos jogos da Liga dos Campeões realizados no Estádio de Alvalade. Queriam perceber exactamente aquilo que eu fazia pois nunca tinham sido confrontados com a necessidade de atribuir ao mesmo jornalista uma acreditação de fotografia, jornalista de imprensa e “TV”.

Gostava que todos conhecessem a aposta que tenho feito na Internet, a forma como tenho visto o jornalismo entrar em decadência, pelo desinvestimento em profissionais, a forma como as redações têm sido manipuladas pelos orçamentos

Muito mais haveria para dizer sobre esta experiência, mas digo apenas que tive de “lutar” por um lugar, contornar os obstáculos criados. Fiz o melhor possível, deixava a câmara a filmar sozinha, a transmitir as conferências de imprensa da seleção em direto, para poder ficar sentado no lugar onde poderia ter a sorte de conseguir fazer uma pergunta. Nesta altura, nem sequer se sonhava com os diretos do Facebook.

Digo mesmo que, nesta altura, a própria publicidade nos vídeos na Internet era ainda pouco valorizada.

Veio o Mundial 2010, na África do Sul, o mesmo problema com a FIFA, as mesmas tentativas de furar o esquema para conseguir ter acesso aos espaços e à informação. O mesmo se passou ainda no Euro 2012, mas já com a UEFA com uma noção diferente da realidade. Mesmo assim, com as acreditações segmentadas.

Entretanto, com a minha saída do SAPO Desporto, perdi um pouco o rumo à situação atual mas nunca mais esqueço a “acreditação especial” que a UEFA me atribuiu, no jogo da Final da Liga dos Campeões no Estádio da Luz, em 2014: “Estamos a testar e queríamos fazê-lo com alguém em quem confiamos para isso. Esta acreditação só pode ser usada por ti”, disse uma das responsáveis pela comunicação da UEFA nesse dia. O Real Madrid venceu o Atlético por 4-1 e Cristiano Ronaldo preparava-se para o Mundial.

Senti um reconhecimento, uma conquista que demorou alguns anos a conseguir. Reconhecimento que não sentia da parte dos meus pares. No meio disto, é preciso dizer, os jornalistas que fizeram parte da equipa do SAPO Desporto, sem excepção, tentavam ao máximo cumprir com aquilo que lhes exigia, que exigia a mim próprio. Nunca consegui que investissem na fotografia de jogo e essa foi também, e continua a ser, uma das grandes diferenças em relação a todos os outros jornalistas. Mas sinto um orgulho imenso do trabalho, do esforço  que todos eles colocaram para conseguir seguir a minha visão do jornalismo do futuro.

Atualmente, já há muitos jornalistas que pegam numa câmara de vídeo para gravar umas declarações, uma entrevista, que sabem editar. Há aqueles que são mais editores de vídeo do que jornalistas (e isto não se trata de uma ofensa). Mas nenhum que faça o serviço de A a Z. No entanto, tenho vindo a saber, através de conversas mais recentes, que aquilo que eu fazia foi notado e comentado pelos meus pares. Em alguns casos com muita resistência…

Com toda esta descrição, não significa que o conteúdo a publicar no Faktual terá de ter, obrigatoriamente, vídeo. Que os jornalistas terão de andar a carregar com câmeras de vídeo, microfones e tripés. A ideia é mostrar que, por vezes, é preciso estar na liderança das novas tendências para poder estar lá no momento das decisões.

Durante a Web Summit, tive a oportunidade de rever algumas pessoas com quem já trabalhei, repórteres fotográficos, que já fazem alguns clips de vídeo, que enviam as fotos da câmara via WiFi, as selecionam e enviam para a redação através de um Ipad. Pessoas que, há uns anos, me ouviam dizer que seria melhor começarem a apostar também no vídeo pois o futuro da profissão o iria exigir.

Todo este texto está muito centrado numa espécie de resumo biográfico profissional porque, sinceramente, sinto que existe essa necessidade para explicar como surgiu o Faktual. É uma ideia que tenho há mais de quatro anos. Quem me conhece, fartou-se de me ouvir defender este projeto, torceram o nariz, fizeram com que não avançasse mais cedo. De facto, foi o nascimento da minha filha, há três anos,  que ajudou a manter o Faktual na gaveta, até agora. Tenho escrito nos blogues (três no total, com maior frequência no Conversa de Homens).

Apesar de me ter focado no jornalismo desportivo, a minha formação e experiência vem do jornalismo económico e político. Já tive experiências em rádio (ainda na altura das rádios pirata), em televisão, na TVI (redação e na área de produção de programas), revistas e jornais.

Mas, gostava que todos conhecessem a aposta que tenho feito na Internet, a forma como tenho visto o jornalismo entrar em decadência, pelo desinvestimento em profissionais, a forma como as redações têm sido manipuladas pelos orçamentos, a serem usadas por acionistas para fins que apenas servem interesses obscuros, tornando-se produtos mais pobres.

Todos assistimos à queda do Diário Económico, por exemplo. E ainda falta perceber os reais contornos que estiveram envolvidos neste negócio que levou ao desaparecimento de uma marca líder.

Aquilo que fui vendo das redações, à distância, mas com uma proximidade muito grande, pelo feedback dado por jornalistas, por aquilo que fui lendo, por saber como as coisas estavam a ser feitas, por ter uma visão do chamado “outro lado”, mantive-me afastado das redações.

Mas, como costumo dizer, sou jornalista porque escolhi e quero dar uma última oportunidade à profissão, colocando em prática, ao serviço do jornalismo e dos leitores, o meu conhecimento. Acredito que o futuro (o presente) é a Internet, tenho a certeza que os conteúdos são um bem precioso e que faz falta jornalismo a sério, feito por jornalistas isentos e credíveis. E, por fim, posso dizer com alguma certeza que sou o jornalista com mais anos nesta aposta digital e multimedia (pelo menos em Portugal) com uma visão 360 do negócio dos media online.

Os que conhecem melhor o meu percurso, poderão colocar a minha “aposta” no Content Marketing. Há que separar as águas e explicar. Eu acredito que o Content Marketing é uma via dos meios de comunicação ganharem dinheiro com conteúdo a sério. Não se trata de publireportagens, é preciso manter as coisas separadas. Mas há uma enorme falta de conteúdo de qualidade que tem sido aproveitada por pessoas que escrevem em blogs e recolhem uma boa fatia do bolo publicitário.

Podem ler mais sobre este tema no blogue Novos Media.

O espaço de opinião

Tal como há espaço para a opinião. Somos jornalistas, humanos, mas principalmente elementos relevantes numa sociedade democrática. Opiniões, ideologias, cada um terá as suas. Mas um jornalista deve criar a sua credibilidade e cabe aos leitores gostarem, ou não, daquilo que o jornalista escreve. E a opinião de um jornalista, que se quer informado, conhecedor de factos, é algo que diz muito às pessoas (ou devia dizer). E mais do que passar os factos, é preciso descodificá-los.

Cada um poderá ver a realidade de acordo com aquilo em que acredita mas há algo que nunca deve ser colocado em causa: a isenção, verificação de factos, verdade das histórias contadas, mesmo na opinião. Tendo sempre em conta que as chamadas fontes de informação não se tratam de chafarizes espalhados pela cidade mas de pessoas que podem ter interesse em divulgar determinada informação. E, por oposição, regra geral, se a informação lhes interessa, pode haver alguém do outro lado da história que preferia mantê-la em segredo.

É assim que funciona e é nestas alturas que, como jornalista, quando dei início à profissão, me senti um pouco fantoche. Por isso, sempre que tenho uma cacha, uma notícia, fornecida por uma fonte de informação, tento falar com todos os intervenientes, ouvir todos os lados da história e, no final, escrever um texto com factos, onde evito a todo o custo expressar a minha opinião na matéria. Sem tomar partidos. Quando se fura este ponto, entramos no campo da opinião, válida como já referi, mas tem de ser clara para quem lê.

E, quando se entra no campo do jornalismo político, a conversa ficaria muito mais extensa. Seria preciso quase uma tese (haverá algumas) para tentar explicar as relações entre jornalismo e política. Ficará para análises futuras.

Falta dizer apenas que como cidadão, tenho as minhas opções e opiniões, e a Liberdade de as expressar. Mas também a frontalidade para dizer que quando escrevo uma notícia, tento manter essa ideologia de lado. Dizer que sou agnóstico, para mim, é bem pior. Prefiro leitores conscientes aos que vivem numa espécie de ilusão. Acima de qualquer outra coisa, sou humano, com tudo o que isso tem de bom e mau!

Depois, e para fechar, uma referência às pessoas que têm tido voz na própria imprensa a dizer mal dos jornais e jornalistas. Pessoas que vivem apenas na era digital e se baseiam na virilidade do conteúdo nas redes sociais para dizer que um título deve ser escrito desta ou daquela forma. Pessoas que partilham mais facilmente uma mentira do que um texto sério.

Recordo, desde que o jornalismo nasceu que se sabe que há títulos mais apelativos, que enchem as primeiras páginas dos jornais. As ferramentas digitais podem ser uma ajuda para esse fim, mas elas não existiam no tempo dos ardinas: “Extra, Extra, read all about it”.

O que conta é a relevância do conteúdo, a envolvência dos leitores com a história, a forma como está escrita, a verdade dos factos. Porque, pela experiência que tenho nestes mais de dez anos na Internet, a conseguir medir ao segundo o que as pessoas estão a clicar, dá para perceber que os títulos que incluam mortes, acidente brutal ou meteorologia, são aqueles que mais somam.

Será mesmo preciso explicar porque razão a Internet, as redes sociais, estão repletas de títulos deste género? Todos caminhamos para a velhice, mesmo os millenials, aqueles para quem os holofotes estão voltados. Muitos, nas redações, a deixar pasmados jornalistas séniores porque dominam as redes sociais e conseguem criar um título que dá cliques. Mas, será esse o melhor título? Do ponto de vista financeiro, a curto prazo, sem dúvida; se isso ajuda à democracia, ao próprio futuro dos millenials? Deixo a pergunta em aberto.

O que falta ao jornalismo é colaboração, união de uma classe que se encontra perdida, e é isso que este projecto pretende favorecer.

Para saber mais, basta entrar em contacto.