No outono de 1970, uma casa na Malveira e outra em Lisboa foram notícia por alegadamente estarem habitadas por um… fantasma!
No ano de 1970, tornaram-se notícia digna das páginas dos jornais nacionais dois casos de habitações alegadamente assombradas. O primeiro “fantasma” apareceu no pacato Bairro da Lagoa, na Malveira, na segunda semana de Setembro. Numa pobre casa rural, onde viviam uma mulher de 84 anos, com o sobrinho e um casal de trabalhadores agrícolas, começaram a partir-se vidros e loiça e a virarem-se tachos e panelas sem que houvesse qualquer explicação racional para o fenómeno. O povo assumiu desde o início tratar-se do trabalho de uma alma penada, e tentou mesmo comunicar com ela, sem sucesso.
A notícia da “casa assombrada”, situada na estrada que seguia para Torres Vedras, rapidamente se espalhou pela zona, gerando uma “espectacular romaria de forasteiros dos arredores e curiosos de perto, desejosos de verem ‘coisas’”, conta-nos o diário O Século de 21 de Setembro. Ao Bairro da Lagoa acorreram também vários jornalistas, mas a sua presença não foi bem acolhida pelo “fantasma”, que reduziu “substancialmente” as suas fúrias desde que os repórteres ali apareceram.
Alguns populares mais afoitos entraram na casa para enfrentar a alma do outro mundo. Um deles foi José Bandinhas que, munido de uma pistola de alarme, avançou porta adentro. Mas bastou uma “simples pedrada” por parte do “fantasma” para Bandinhas sair a correr.
Ao repórter de O Século, a arrendatária da casa, Joaquina dos Santos Esteves, contou que as fúrias do “fantasma” aconteciam sempre pelas 18 horas. “A bulha começou com vidros partidos, ele não consente a luz acesa nem o petróleo, parte tudo, temos as casas imundas, uma vergonha”, lamentava a octogenária. “Ponho uma coisa aqui e ela vai aparecer acolá. Ponho o jantar ao lume e a panela entorna-se. Só os meus santinhos é que não se partem, embora as molduras que estão no quarto apareçam na cozinha e no corredor. Caem, mas os vidros não se partem.”
Para Joaquina dos Santos Esteves, os distúrbios eram provocados por um falecido tio da sua subarrendatária, Maria Cristina Tomás, de 22 anos, que queria que ela pagasse uma promessa. “E ele tem que cumprir, para ver se a gente sossega…”, insistia. Mas Maria Cristina e o marido, Gabriel Baptista, de 30 anos, recusavam esta explicação. A octogenária continuava a lamentar-se: “Eu penso que há-de haver um mistério qualquer, mas não sei o que será. Vejo a minha louça partida e tudo isto a acontecer, mesmo com pessoas cá dentro”.
Nunca se terá chegado a uma conclusão sobre o mistério desta “casa assombrada”. Com a presença de tantos estranhos, e sobretudo de jornalistas, o fenómeno foi-se tornando “muito mais fraco”, até ter deixado de ser notícia de jornal.
“O relógio escaqueirou-se no chão”
Dois meses mais tarde, uma outra “casa assombrada” saltou para as páginas dos periódicos. Esta situava-se num rés-do-chão da Rua Correia Teles, no bairro lisboeta de Campo de Ourique. Aqui, viviam Justina dos Santos, uma viúva de 80 anos, Maria da Costa, o marido (empregado no Hotel Avenida-Parque) e um bebé de dois anos, e pernoitava temporariamente Maria da Conceição Silva.
Foi esta quem primeiro relatou ao jornalista de O Século, no dia 4 de Novembro, o que tinha acontecido na noite anterior: “Estava deitada. Cerca da 22 e 30, as cadeiras começaram a rebolar. Sentei-me na cama. Caiu um quadro. O relógio escaqueirou-se no chão. Toda a gente acordou. Saímos logo. A máquina de costura, íamos já de fugida, foi parar ali, onde o sr. pode ver.”
Foram chamados a polícia e os bombeiros, que nada de anómalo encontraram na estrutura do prédio. Também não foi identificado qualquer problema na canalização do gás. Começou a falar-se que na casa vivia também um fantasma.
Voltaram todos para casa por volta da meia-noite. Os residentes no rés-do-chão decidiram mudar de quarto. “Precisamente quando estávamos a fazer as camas, o guarda-louça (que já tinha caído) voltou a estampar-se no soalho, e adeus pratos, chávenas e copos”, recordou Maria da Conceição Silva. Decidiram não pernoitar ali. A octogenária foi para casa de um filho e os restantes moradores dormiram em casa de uma vizinha.
Os Bombeiros Voluntários de Campo de Ourique vistoriaram o prédio, mas concluíram que “não havia nada de importante a assinalar”. O filho de Justina dos Santos acreditava que tudo se devia “à vibração provocada pelo trânsito (especialmente de veículos pesados)”. Há muito que a octogenária reclamava por obras na casa, mas o proprietário recusava fazê-las por a renda ser muito baixa.
Maria da Costa relatou ao jornalista que, no inverno, tiveram de mudar a cama de Justina dos Santos porque chovia no quarto como na rua. Acrescentou que no carnaval, miúdos e graúdos colocavam bombas nas fendas das janelas, o que agravava a instabilidade das paredes. Fosse o fenómeno resultado, ou não, dos problemas estruturais da casa, decidiram contratar os serviços de uma “distinta espírita, que, através de salamaleques, rezas e invocações, assegurou aos inquilinos a máxima segurança, apesar de se notar qualquer coisa, não sei quê, não sei que mais”.