No início do século XX, percorria a rede de esgotos de Lisboa à caça de ratos. Ao mesmo tempo, evitava assaltos, sinalizava fugas de gás e encontrava objectos perdidos. Um trabalho perigoso e mal remunerado.

Foi uma das figuras mais castiças da Lisboa do início do século XX. Graças ao seu trabalho como explorador da rede de esgotos, foram evitadas explosões decorrentes de fugas de gás, interrompidos planos de assalto, capturados fugitivos à justiça, encontrados objectos perdidos e, claro, mortos milhares de ratos, que poderiam espalhar doenças ou provocar acidentes. Conta o jornal O Século, de 11 de Julho de 1903, que “em poucos anos” matou “mais de 60.000 ratas”. Por isso, era conhecido na cidade como o Luciano das ratas.

Nascido no bairro da Cedofeita, no Porto, em 29 de Dezembro de 1859, Luciano Moreira correu mundo antes de se instalar em Lisboa e dedicar-se à caça dos ratos que povoavam os esgotos da capital. O seu trabalho era de extrema importância para a segurança e a higiene de Lisboa. Num dia de Agosto de 1903, encontrou 74 coelhos, dois carneiros e várias aves mortas debaixo da Praça da Figueira, que foram depois retirados pelas autoridades. Uns anos antes, tinha-se cruzado com três italianos num cano debaixo de alguns edifícios da rua do Ouro que estariam a planear um assalto a uma ourivesaria, e aquando da visita do rei Eduardo VII de Inglaterra a Lisboa, em Abril de 1903, também encontrou dois homens suspeitos nos canos por baixo da Praça do Comércio, que fugiram assim que o encararam.

Era também um trabalho de alto risco. Muitas vezes, os comerciantes faziam descargas dos seus motores a gás para a canalização do esgoto, o que poderia causar a morte de Luciano das ratas. O seu irmão Manuel José da Silva Moreira, que durante quatro meses o acompanhou nas suas travessias subterrâneas, ficou doente depois de “receber inesperadamente a descarga de um moto ao passar por debaixo de um prédio da rua do Crucifixo”, noticiava O Século de 11 de Julho.

Mas apesar da importância da sua missão e dos perigos a esta inerentes, nem sempre o seu trabalho foi devidamente reconhecido. No início de 1901, a Câmara Municipal de Lisboa, que lhe pagava um vintém (o equivalente a 20 réis) por cada animal morto à cacetada, despediu-o. O caso chegou mesmo ao Parlamento pela voz do deputado Ferreira de Almeida que defendia merecer Luciano das ratas “um prémio do estado”, cont ao jornal O Occidente de 28 de Fevereiro de 1901. 

Apelo ao rei

Em Agosto de 1903, encontramo-lo a trabalhar para o Governo Civil de Lisboa, que nesse mês passou a pagar-lhe 10 réis por cada rato que matasse em vez de um vintém como até então. A redução do rendimento mensal ocorreu numa altura em que a mulher, Amélia da Conceição, adoeceu gravemente, na sequência da “lavagem do fato com que ele percorreu os canos debaixo dos hospitais”.  O casal, que tinha quatro filhos menores, passou a viver com ainda mais dificuldades. 

Luciano das ratas considerou a decisão injusta e o valor insuficiente para pagar o risco e a despesas que tinha na execução do seu trabalho. Em “luz, roupa estragada e calçado” gastava o valor que agora iria receber, queixou-se ao jornal O Século de 21 de Agosto. Por isso, deixou de perseguir os ratos durante algum tempo. 

Ao saber da doença da mulher de Luciano das ratas, um lojista da rua do Ouro ofereceu-lhe 500 réis e um proprietário da rua dos Franqueiros 5$000 réis. O governador civil de Lisboa deu-lhe 1$000 réis, mas manteve o preço pago por cada rato morto. A situação económica da família mantinha-se precária. 

Condoídos com a sua situação, vários lojistas lisboetas subscreveram um documento que atestava os bons serviços de Luciano das ratas e no qual apoiavam a sua reclamação de ver reposto o valor pago por cada rato morto. O documento foi entregue ao rei D. Carlos I e graças a esta diligência, voltou a ser-lhe pago um vintém por cada animal que matasse. 

Simultaneamente, refere ainda o jornal O Século de 2 de Dezembro, a companhia do Gás e Electricidade decidiu pagar-lhe 1000 réis por cada fuga que detectasse nas canalizações subterrâneas e que lhe comunicasse.

Com um rendimento mensal mais confortável, Luciano das ratas pôde dedicar-se, de novo, ao “seu pouco aprazível mister”. E Lisboa e os lisboetas voltaram a poder descansar, sabendo que por debaixo dos seus pés, o Luciano das ratas continuaria a zelar pela sua saúde e segurança. Mas não durante muito tempo. Em Janeiro de 1907, foi atacado por uma tuberculose, talvez fruto dos inúmeros anos que passou nos esgotos, morrendo no dia 24 de Junho desse mesmo ano.