Na tarde de 4 de Agosto de 1968, a mão direita e parte do antebraço de uma mulher foram descobertos num monte de lixo na rua Alexandre Braga, no centro do Porto
Durante dois dias, não se falou de outro assunto na cidade do Porto: de quem seriam a mão direita (com três unhas pintadas com verniz vermelho) e o antebraço de mulher encontrados num pequeno amontoado de lixo na rua de Alexandre Braga a escassos dois metros de uma das entradas do mercado do Bolhão?
A macabra descoberta aconteceu pelas 15.10 horas do dia 4 de Agosto de 1968, “num ponto de movimento intenso, num sítio onde, para além das entradas e das saídas do mercado, existem os términos das carreiras de ‘troleicarros’ que transitam entre esta cidade e Rio Tinto, Gondomar e S. Pedro da Cova”, como lembrava o Diário de Notícias.
O alerta foi dado por António Francisco Neves Veloso, um estucador residente em Rio Tinto, que prontamente denunciou o caso a um polícia-sinaleiro em serviço nas proximidades. Este colocou a mão numa pequena caixa, que pediu numa loja, e levou-a para o Comando da PSP do Porto. O caso foi participado às autoridades sanitárias, e a mão transportada no dia seguinte para o Instituto de Medicina Legal.
Pela cidade, começou logo a correr o boato de que aquilo era obra de algum assassino, que estava a desfazer-se do corpo da vítima aos poucos. Havia também quem dissesse ter visto a mão a “andar aos pontapés” para os lados das ruas Escura e Bainharia, na zona da Sé, acabando por ir parar à zona do Bolhão. Nenhuma das versões se confirmou. A explicação era outra, e acabaria por ser desvendada dois dias mais tarde: a mão e o antebraço eram de alunos de Medicina que os utilizavam para estudar a anatomia do corpo humano.
A mão como chupeta
Esses alunos, de nacionalidade portuguesa e brasileira, viviam na pensão de Cármen Xavier, no Campo Mártires da Pátria, contava o Diário de Notícia do dia 6. Era habitual levarem ossos para os quartos, mas um dia, um deles decidiu levar também uma mão humana. Com o início das férias de verão, os jovens regressaram a suas casas, deixando numa das gavetas da cómoda de um dos quartos a dita mão que tanto daria o que falar no Porto.
Num sábado de manhã, estando Cármen Xavier a limpar a pensão, deparou-se com o filho, de 18 meses de idade, a meter os dedos daquela mão na boca, “como se fosse uma chupeta a que estivesse habituado”. Enojada, a mulher retirou-lha e lançou-a pela janela, sem pensar nas consequências que o seu acto poderia (e viria) a ter. Foi a própria dona da pensão quem contou o sucedido à Polícia, depois de a sogra ter lido a notícia do macabro achado num jornal.
Restava ainda perceber de que forma a mão (que já estava seca) chegou à rua de Alexandre Braga. Pouco tempo depois deste episódio, o motorista de uma carrinha que estava a carregar ossos de um talho no Campo Mártires da Pátria reparou na mão e na parte do antebraço que estavam no chão. Por graça, decidiu levá-los consigo, e seguiu para o Bolhão, onde iria carregar mais ossos. Na brincadeira, colocou a dita mão em cima do monte de ossos, assustando o seu ajudante. E este assustou-se de tal forma, que o motorista resolveu desfazer-se dela, atirando-a para o passeio.
Nenhuma das pessoas envolvidas neste macabro caso – os estudantes, a dona da pensão e o motorista – alguma vez pensaram que estavam a cometer um crime com os seus actos. Como recordava o Diário de Notícias, a quebra de respeito devido aos mortos era punida ao abrigo do §2.º do artigo 247 do Código Penal: “Aquele que praticar qualquer facto directamente tendente a quebra de respeito devido à memória do morto, sem violação de túmulo ou sepultura, será condenado a pena correcional até um ano.”