O Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) é obrigatório desde o dia 1 de outubro de 2018 mas poucas empresas sabem que têm de o fazer. E as multas podem ir até aos 50 mil euros.
O tema tem sido abordado em alguns artigos publicados em sites de entidades bancárias ou outras ligadas às empresas, mas é preciso saber que isso existe para lá chegar. Em agosto de 2017, foi publicada a Lei, cuja regulamentação consta da Portaria n.º 233/2018, de 21 de agosto. A entrada em vigor da legislação, é 1 de outubro de 2018.
Ou seja, todas as empresas que foram constituídas a partir dessa data tinham o prazo de um mês para efetuar o registo. Quem não o fez está sujeito à aplicação de uma coima. Para todas as empresas constituídas antes de 1 de outubro de 2018, o prazo para o registo prolonga-se até 30 de abril de 2019 mas, até ao momento, poucas sabem que é preciso realizar este procedimento.
O RCBE tem como objetivo a criação de uma base de dados para organizar e manter atualizada a informação relativa ao beneficiário efetivo, com vista ao reforço da transparência nas relações comerciais e ao cumprimento dos deveres em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Mas, apelando à transparência, todo este processo tem sido pouco claro.
É sempre bom lembrar que ninguém pode alegar desconhecimento da Lei mas, a realidade tem demonstrado que muitas vezes, empresas e particulares acabam por se ver confrontadas com coimas aplicadas devido ao incumprimento de obrigações sobre as quais não tinham conhecimento. Um desses casos, a obrigatoriedade da subscrição da Via CTT que penalizou centenas de empresas e contribuintes no verão passado. No entanto, após a aplicação de multas relativas ao atraso na adesão à Via CTT, o Governo atirou para o Orçamento do Estado a resolução do problema criado com as coimas e decidiu que os contribuintes iriam ser reembolsados de forma automática. Até ao momento, ainda não foram!
Neste caso do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), e apesar de toda a aposta na digitalização e incentivos para que as empresas e o próprio Estado sejam mais digitais e eficientes, nomeadamente no que respeita à Empresa na Hora, as pessoas que constituíram empresas antes de 1 de outubro não foram avisadas para esta obrigatoriedade.
E, vale a pena reforçar, têm até ao dia 30 de abril (ou 30 de junho) para efetuar o registo. As empresas constituídas a partir de 1 de outubro tinham apenas um mês e estas, alegadamente, foram avisadas na altura da constituição da empresa para este facto.
Depois da primeira declaração as entidades estão obrigadas a atualizar toda a informação, num prazo de 30 dias e, a partir de 2020, em confirmação anual até ao dia 15 de julho de cada ano.
A declaração inicial das entidades sujeitas ao RCBE que já se encontrem constituídas no momento da entrada em vigor da presente portaria deve ser efetuada a partir de 1 de janeiro até ao dia 30 de junho de 2019, de forma faseada, nos termos seguintes:
- Até 30 de abril de 2019, as entidades sujeitas a registo comercial;
- Até 30 de junho de 2019, as demais entidades sujeitas ao RCBE.
Este registo foi legislado em 2017, através da Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, que aprovou o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), previsto no artigo 34.º da Lei n.º 83/2017 de 18 de agosto, cuja regulamentação consta da Portaria n.º 233/2018, de 21 de agosto (com Declaração de Retificação n.º 33/2018, de 9 de outubro). É muito para ler, para quem não tem um advogado a tratar do tema.
A legislação em causa:
Quem não efetuou o registo, vai pagar multa
Ninguém pode alegar o desconhecimento da Lei mas, a verdade é que após contacto do Faktual com a Linha Registos de apoio telefónico à Empresa na Hora, a informação é ainda pouco clara e os operadores mostram que existe falta de informação sobre determinados pormenores do processo.
Ao telefone, as duas técnicas que falaram com o Faktual (em telefonemas diferentes), que se apresentou na qualidade de empresa e não como jornalista, lamentaram o facto de não existir mais informação e referiram ainda que “vai safar-se quem tiver um contabilista informado”. E, asseguram, “os contabilistas têm a obrigação de saber disto”.
Na verdade, tal como o Faktual constatou, há contabilistas que referem não ter sido informados pela Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) desta obrigatoriedade e, como tal, muitos continuam sem saber sequer da existência deste registo.
Já a Ordem dos Contabilistas Certificados, através do seu gabinete de comunicação, quando confrontada com o facto de haver contabilistas que referiram a ausência de comunicação por parte da Ordem, faz referência a artigos publicados no site do organismo, bem como ao envio de uma newsletter que é distribuída aos associados, e um white paper de 13 páginas.
“Há uns contabilistas mais atentos do que outros”, referiu a mesma fonte da Ordem dos Contabilistas Certificados quando confrontado com a questão de haver muitas pessoas que podem ter, simplesmente, ignorado a newsletter.
Perante o reforço da questão, a resposta oficial da OCC é peremptória: “O RCBE é apenas uma das múltiplas obrigações que os contabilistas certificados têm para cumprir. Os membros são alertados pela OCC para essa e outras obrigações por mail, no site, nas reuniões livres que se realizam quinzenalmente e também em ações de formação regulares que a Ordem ministra.
Sendo uma classe muito vasta, e porque nem todos os membros inscritos exercem, é natural que haja alguns que não estejam a par de tudo o que se passa”.
No entanto, é de realçar que o processo de registo não permite que seja efetuado pelo contabilista. Existe a possibilidade de se registar como Advogado, Solicitador ou Notário.
Mas as falhas pagam-se caro. Tal como inscrito no artigo 6.º, ponto 1 da Lei n.º 89/2017, “o incumprimento pela sociedade do dever de manter um registo atualizado dos elementos de identificação do beneficiário efetivo constitui contraordenação punível com coima de € 1 000 a € 50 000”. Ou seja, valores pesados que irão afetar essencialmente os pequenos negócios.
Além disso, numa altura em que se fala da necessidade de mudança para digital, do empenho do Governo em apoiar a digitalização, as empresas não receberam nenhuma informação a avisar para esta obrigatoriedade.
De realçar que as empresas são obrigadas a subscrever a Via CTT (caso não o façam em tempo útil após a constituição também estão sujeitas a coima) através da qual, caso não existisse outro meio, o Estado e instituições públicas, nomeadamente as Finanças ou o ministério da Justiça, comunicam com as empresas e com os cidadãos.
O Faktual contactou o ministério da Justiça, já que é através do site https://rcbe.justica.gov.pt/ que o registo deve ser efetuado, para saber a razão de ausência de comunicação desta obrigatoriedade. Até à hora de publicação deste artigo não obteve respostas. Serão incluídas assim que chegue a informação.
Nota inserida a 7 de fevereiro: neste dia o Faktual recebeu por email, através do gabinete de comunicação, as respostas às perguntas enviadas ao ministério da Justiça. De forma resumida, o ministério da Justiça refere que “A Lei 89/2017, de 21 de agosto, e a portaria que a regulamentou foram publicadas em Diário da República, pelo que devem ser do conhecimento de todos os cidadãos. A lei não prevê a notificação das entidades sujeitas para virem prestar a declaração”.
No entanto, acrescenta, a par da comunicação realizada no site (que apenas é acessível se os cidadãos forem lá consultar) o ministério está “a trabalhar no sentido de prestar um melhor esclarecimentos ao cidadão”.
Condomínios também estão obrigados ao registo, mas…
Os condomínios também estão obrigados a efetuar o registo e, até à data, nenhuma comunicação foi feita com estas entidades. É verdade que o prazo para as entidades constituídas antes de 1 de outubro só termina a 30 de junho, mas também se sabe que há uma forte tendência de apenas se falar destes temas quando as multas começam a surgir.
Mas, há que realçar, nem todos os condomínios estão abrangidos pela obrigação. Tal como descrito na alínea g) do Artigo 4.º da mesma Lei, estão excluídos desta obrigação “os condomínios, quanto a edifícios ou a conjuntos de edifícios que se encontrem constituídos em propriedade horizontal, desde que se verifiquem os seguintes requisitos cumulativos:
i) O valor patrimonial global, incluindo as partes comuns e tal como determinado nos termos da normas tributárias aplicáveis, não exceda o montante de € 2 000 000; e
ii) Não seja detida uma permilagem superior a 50 % por um único titular, por contitulares ou por pessoa ou pessoas singulares que, de acordo com os índices e critérios de controlo previstos na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, se devam considerar seus beneficiários efetivos”.
Ou seja, dito pela positiva, terão de efetuar registo todos os condomínios cujo valor patrimonial ultrapasse os dois milhões de euros e, em simultâneo, um único titular detenha uma permilagem superior a 50%.
No mesmo telefonema realizado com a linha de apoio ao registo, a técnica que atendeu mostrou desconhecimento sobre este tema e teve de passar a chamada para o departamento “dos colegas que tratam dos condomínios porque podem ter mais informação que nós não temos aqui no registo comercial”. A espera pelo atendimento durou mais de 30 minutos, apesar da gravação referir que o tempo de espera seria inferior a cinco minutos.
E, após a espera, a resposta foi rápida e direta: Além da referência aos 2 milhões de euros, “a única informação que nos foi passada é para reenviar as pessoas para este site ou para este email”. O site é o https://rcbe.justica.gov.pt e o email reg.beneficiarioefetivo@irn.mj.pt, para o qual o Faktual enviou as dúvidas e aguarda por resposta.
Como efetuar o Registo Central do Beneficiário Efetivo
Esta é a parte que talvez interesse mais aos empresários que possuem pequenos negócios já que para as grandes empresas, os gabinetes de assessoria jurídica têm a obrigação de estar mais atentos. O Faktual efectuou o registo e deixa aqui os principais passos:
1 – Entrar no site https://rcbe.justica.gov.pt/ e efetuar o login através do Leitor do Cartão de Cidadão ou com a Chave Móvel Digital. Para quem ainda não aderiu, é uma peça fundamental pois dispensa o leitor do cartão de cidadão para aceder aos diversos serviços que permitem registar através deste sistema.
Pode ainda efetuar o registo, como já referido acima, através de um advogado, solicitador ou notário.

2 – Preencher os dados e seguir as sete etapas até à conclusão do Registo. Após confirmação fica com acesso ao seu “Código RCBE”.
Esta Lei serve para proceder à transposição para a ordem jurídica interna do capítulo III da Diretiva (UE) n.º 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo.
Após a primeira declaração, todas as entidades estão obrigadas a atualizar toda a informação que consta dessa declaração sempre que existam alterações aos dados declarados, no prazo de 30 dias a contar do facto que a origina e, a partir de 2020, em confirmação anual até ao dia 15 de julho de cada ano. Mais informação aqui.
Artigo atualizado a 7 de fevereiro com as respostas enviadas pelo ministério da Justiça.